« O Despertar Tardio de uma Sogra »

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« Quando já não restava mais ninguém, a minha sogra lembrou-se de nós. Mas era tarde demais… »

Já se passaram mais de dez anos desde que estou com o Luís. Casei-me com ele aos vinte e cinco. Ele não é filho único: tem dois irmãos mais velhos, ambos bem estabelecidos há anos carreiras sólidas, casas, famílias. O retrato perfeito, como se diz. A mãe dele, Genoveva Lopes, é uma mulher de personalidade forte, do tipo que não fica atrás de ninguém. Criou sozinha os três filhos sem nunca se deixar abater.

Desde o nosso noivado, senti nela uma certa aversão por mim. Nada direto, mas tudo se percebia nos silêncios à mesa, nos olhares de lado, nos “esquecimentos” calculados. Fingia indiferença. Talvez não tivesse correspondido às expectativas dela? Ou será que ela não queria largar o caçula?

Porque o Luís era o seu apoio. Depois que os mais velhos saíram de casa, ele ficou para ajudá-la: compras, consultas médicas, papéis. Até que eu apareci. E a vida dela virou de pernas para o ar.

Tentei de tudo para conquistá-la. Comidas caseiras, convites para festas, presentes cuidadosamente escolhidos. Até tentava chamá-la de “mãe”, mas a palavra ficava presa na minha garganta. Ela mantinha uma frieza distante, e eu me sentia uma estranha naquela família.

Quando o nosso filho, Gabriel, nasceu, Genoveva ficou um pouco mais presente. Um breve alívio: assim que os irmãos deram outros netos a ela, o nosso filho virou invisível. Ela passava o Natal na casa deles, ligava toda semana para os outros, e nós éramos deixados de lado. O pior? Ela “esquecia” sistematicamente o meu aniversário, a não ser que o Luís lembrasse. Nada de mensagem, nada de cartão. Sofri, mas acabei aceitando: nem todas têm a sorte de ter duas mães.

Os anos voaram. Uma vida simples, mas digna. A nossa filha, Leonor, nasceu. O Luís trabalhava, eu cuidava das crianças. A minha sogra flutuava na periferia da nossa existência a mesma distância, as mesmas visitas raras. Nós não forçávamos nada.

No ano passado, o marido dela faleceu. O choque a destruiu. Médicos, antidepressivos, diagnóstico de “depressão senil”. Os filhos mais velhos apareceram uma vez, deixaram umas compras… e depois, nada. Nós íamos ao apartamento dela em Lisboa não com frequência, mas mais do que eles.

E então, em meados de dezembro, ela nos convidou para a ceia de Natal. “Preciso de vocês”, sussurrou. Aceitei, apesar de tudo. Não se abandona alguém vulnerável.

Eu preparava o bacalhau, arrumava a mesa, enquanto ela suspirava no sofá. “O Filipe e o Tiago vêm?”, perguntei. Ela encolheu os ombros: “Para quê?”

A meia-noite se aproximava. De repente, ela se endireitou: “Sentem-se. Tenho uma proposta.” A voz dela tremia. “Pedi às minhas outras noras que me acolhessem. Recusaram. Então… mudem-se para cá. Em troca, deixo-vos o apartamento.”

Um baque. Todos aqueles anos de indiferença… E agora, porque os outros a abandonaram, ela se volta para mim? Como se um T2 em Lisboa pudesse apagar vinte anos de frieza?

O Luís prometeu pensar. No carro, eu desabei. Sem gritos, mas com a voz embargada:

“Olha, não sou santa. Não vou viver com quem me tratou como um fantasma. Que nunca foi ver os netos num recital da escola. Essa ‘afeição’ repentina… Ela só tem medo de morrer sozinha. Mas por que nós é que temos de pagar com as nossas vidas o que ela nos negou?”

“É a minha mãe…”, ele murmurou.

“Uma mãe consola. Não escolhe entre os filhos. Ela nos excluiu da história dela. Que recorra aos favoritos agora.”

Ele calou-se. Eu sabia da sua dor. Mas ele me entendeu.

Nunca mais voltámos à Rua Augusta. Algumas chamadas geladas. Ela queixa-se da deceção. Eu penso: que direito tem de esperar? Que um sorriso comprado por metros quadrados?

Não. A dignidade não tem preço. Se não vales nada nos dias claros, não te tornes um escudo contra as sombras.

Isto não é vingança. É só a dura lição de escolher quem nos escolhe.

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